Saiba o que os casais podem e não podem escolher na reprodução assistida. A ciência aproximou a experiência da maternidade das mulheres com dificuldade de ter filho, mas nem mesmo as técnicas mais avançadas de fertilização in vitro podem dar todas as respostas sobre como será o bebê concebido com auxílio da reprodução assistida.
Ainda que entre o sonho de ser mãe e a confirmação da gravidez exista uma investigação minuciosa dos óvulos e espermatozoides que serão fecundados em laboratório, os pais que passam por este processo não conseguem saber – nem escolher – se a criança será menino ou menina, como serão os cabelos, olhos, pele ou altura. Mas muitos acham que podem. E chegam às clínicas já com o “desenho” do bebê.
“Por mais informação que se tenha, independentemente do grau de escolaridade dos pacientes, a reprodução assistida ainda é uma área médica que desperta muita fantasia”, afirma Edson Borges, diretor da clínica Fertilitty, uma das mais importantes de São Paulo.
Segundo os especialistas consultados pela reportagem, não é raro os pacientes pedirem filhos “gêmeos” (a campeã entre as solicitações) e também chegarem com a ideia de que podem determinar previamente o sexo da criança, duas “escolhas” que são proibidas pelo Código de Ética elaborado pelo Conselho Federal de Medicina, alerta o presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, Artur Dizik.
Além de considerar a sexagem social (escolha do sexo) uma falha ética do profissional, o código também policia o número de embriões que devem ser transferidos para o útero materno. Em mulheres com menos de 35 anos, são no máximo dois embriões transferidos. Entre 35 e 40, 3 embriões. Acima de 40 anos, no máximo quatro embriões.
“Vários casais ainda procuram a fertilização in vitro para escolher o sexo e terem uma gravidez múltipla. Eles devem ser esclarecidos que a gravidez múltipla é uma complicação do tratamento e não um sucesso”, diz Dizik em referência ao maior risco de complicação e prematuridade nas gestações de gêmeos, trigêmeos ou mais.
Taxas de sucesso
Transferir um determinado número de embriões também não é garantia de que todos se desenvolverão. As taxas de sucesso da fertilização são de 40% – índice que varia de acordo com a idade da mãe – o que indica que seis em dez casais não conseguem terminar o processo com um bebê em casa.
“Todas estas taxas de sucesso precisam ser muito bem explicadas para os casais e não podemos trabalhar com falsas esperanças”, afirma o professor de ginecologia e obstetrícia e diretor-médico da Clínica Profert, em São Paulo, Dirceu Henrique Mendes Pereira. “Nesta conversa esclarecida, também é preciso quebrar com certas aspirações dos pacientes. Já atendi casos absurdos em que a mulher queria até escolher a cor dos olhos do nenê”, completa o médico.
QI, biótipo e religião
A origem desta falsa sensação de que é possível escolher as características físicas do bebê gerado por fertilização pode ser os casos em que a reprodução utiliza sêmen e óvulos doados.
O banco de sêmen e de óvulos é abastecido por meio de doadores anônimos e só é utilizado quando todas as possibilidades de obtenção seminal do parceiro é esgotada, explica Artur Dizik. “Este procedimento também é indicado para a produção independente ou de casais homoafetivos”, completa o presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana.
Segundo Edson Borges, da Fertillity, para estas indicações os pacientes podem preencher questionários para que o sêmen seja doado por alguém que, mesmo sem a identidade revelada, tenha características físicas semelhantes a da pessoa que vai passar pela reprodução.
“Nas fichas, são descritas solicitações almejadas como altura, cor dos olhos, tipo do cabelo, etnia, tipo sanguíneo, profissão, hobbies e até religião”, explica Borges. “Mas, em hipótese nenhuma, isso significa que podemos manipular genicamente um embrião para que ele tenha estas características fenotípicas”, ressalta o presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, Adelino Amaral Silva.
Dirceu Henrique Mendes Pereira conta que já atendeu mulheres ocidentais que pediam doadores orientais pois achavam lindo crianças mestiças. “Apenas a identidade, contato e endereço do doador de sêmen e a doadora de óvulos não são reveladas. Outras informações pessoais dos doadores, sim. Por vezes, as tradições culturais fazem parte do processo de reprodução assistida. Como o caso de um casal judeu que solicitou uma doadora de óvulos judia”, explica Dirceu.
Doenças genéticas
Outro aspecto da reprodução assistida que confunde sobre quais são os limites das escolhas da fertilização in vitro é o pré diagnóstico de doenças genéticas feitos nos embriões antes deles serem implantados no útero.
Para algumas mulheres com mais de 40 anos e com diagnóstico de doenças genéticas na família, é feita uma avaliação para identificar até 84 patologias genéticas, entre elas hemofilia e síndrome de down.
“Os ciclos de fertilização in vitro com diagnóstico genético pré-implantacional são minorias, menos de 5%. Quando detectado embriões geneticamente anormais, devemos discutir caso a caso”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana.
Adelino Amaral Silva acrescenta que as pesquisas já mostraram que “em mulheres acima de 40 anos, de cada dez embriões, em mais de 50% são encontradas anomalias”. O descarte destes embriões, afirma o diretor da Profert, é uma decisão de foro íntimo do casal. “Mas hoje, eu não consigo opinar no caso da identificação de síndrome de down, por exemplo, que não é um problema incompatível com a vida”, diz Pereira. “Se o casal não quiser fazer a fecundação por causa da síndrome, eu encaminho para outro colega.”
Fonte: Delas – Fernanda Aranda, iG São Paulo